fevereiro 24, 2011

Começo tortíssimo de reforma política


Estamos presos em uma terrível armadilha institucional: sem a aprovação de nossos atuais deputados federais, não podemos fazer nenhuma reforma política que fira os seus interesses. E não há solução à vista para esse problema.

O jornal ‘O Globo’ de 23/FEV/2011 vem confirmar esse julgamento. Em sua coluna ‘Panorama Político’, sob o título de ’Começo Torto’, comenta que o Senado teria cometido um erro ao criar a Comissão da Reforma Política, uma vez que a Câmara tende a ignorar o que for ali aprovado porque “ 81 senadores não podem decidir o futuro de 513 deputados”. Isto me parece exatamente o oposto do que deveria valer: nem os 81 senadores, nem os 513 deputados, deveriam deter o poder de decidir o seu futuro.

Afinal, um princípio a ser obedecido na elaboração de qualquer regra é que não deve ser estabelecida por quem será obrigado a obedecê-la. Isto diz respeito, em especial, a regras constitucionais, em boa parte destinadas a reger o comportamento dos políticos por muitas gerações. Pode-se argumentar que a principal fonte dos erros e distorções da Constituição de 1988 é o fato de ter sido elaborada pelo Congresso trabalhando em meio expediente como Assembleia Constituinte. Daí a necessidade de tanta reforma dessa Constituição.

O pior é que qualquer reforma é complicada pelo dispositivo que prevê, como única forma de emendar a Constituição, a aprovação de emendas por 2/3 do Congresso especialmente reunido para esse fim. Qualquer alternativa será considerada inconstitucional. Assim, somente um movimento muito forte da opinião pública – a exemplo do que foi feito na Lei da Ficha Limpa – poderá constranger os nossos parlamentares a aprovarem reformas que não sejam do seu interesse. Convenhamos que é um péssimo começo para uma reforma política.

fevereiro 21, 2011

Mecânica do sistema de votação proporcional

É um dos dois sistemas paradigmáticos de eleição para o Legislativo. O outro é o voto distrital majoritário. Cada um deles tem muitas variações, escolhidas por diferentes países. A quem quiser se informar mais sobre este assunto recomendo ler ‘Sistemas Eleitorais’, de Jairo M. Nicolau, editado pela FGV Editora. É um texto conciso, porém muito informativo.

No sistema de votação proporcional, como adotado no Brasil, o eleitor vota no nome de um candidato ou, se nenhum deles o entusiasma, na sigla de um partido. Ao serem contados, os votos nominais dos candidatos de cada partido são somados aos votos na sigla desse partido. O total é dividido pelo quociente eleitoral - que é o número de votos válidos dividido pelo número de cadeiras a serem preenchidas no Legislativo - e o resultado é o número de deputados eleitos por esse partido. As sobras de votos são distribuídas pelos partidos segundo a
fórmula D’Hondt, uma das três usadas em todo o mundo para esse fim.

O passo seguinte é determinar que candidatos entrar no Legislativo como representantes dos seus partidos. Isto se faz de duas maneiras principais: por lista aberta ou fechada. Na lista aberta, os candidatos do partido aparecem em ordem decrescente de votação. Na lista fechada, aparecem na ordem que for determinada por algum processo de decisão interna do partido. Se um partido apresenta 50 candidatos, mas atingiu um total de votos que lhe permite eleger apenas 6 candidatos, com lista aberta estes serão os 6 mais votados. Com lista fechada, serão os 6 preferidos pelo partido. Em suma, com lista aberta, é o eleitorado que determina quem será eleito. Com lista fechada, isto é prerrogativa do partido.


Que virtudes e problemas apresenta esse sistema? Isto veremos no próximo post.

fevereiro 17, 2011

Reforma política brasileira: o que nos diria Aristóteles?

Por que reformar o sistema político brasileiro? Esta pergunta é perfeitamente cabível porque o sistema político brasileiro está funcionando bastante bem, sob vários aspectos importantes. De fato, nenhum direito individual encontra-se ameaçado e nenhuma lei é aprovada em desafio à vontade do povo, assim como a governabilidade vem sendo assegurada por coalizões majoritárias que apoiam, com a devida dose de crítica, as iniciativas do presidente e dos governadores. Além disso, os mandatos executivos são limitados e o correto exercício do poder é vigiado, não só pelos legislativos, mas também por outras instituições, como os tribunais de contas, o ministério público, o conselho de justiça e – ‘last but not least’ – a polícia federal.

Dois aspectos do sistema parecem, porém, incomodar profundamente os eleitores brasileiros.
Um é o processo eleitoral por votação proporcional com lista livre, que permite a eleição
de candidatos menos votados e dentre eles alguns claramente preteridos pelos eleitores -
problema que se agrava com a permissão a coalizões partidárias. Outro é a ausência de regras restritivas aos benefícios que os legisladores podem votar em seu favor. Um terceiro aspecto poderia ser incluído em nossas preocupações, embora não tenha (ainda) excitado a ira dos eleitores: a total ausência de regras constitucionais ao excesso de taxação e gastos do governo federal.

Os partidos políticos, entretanto, não querem saber de limitações aos seus benefícios e
parecem divididos a respeito da reforma do sistema eleitoral. O PT, ao propor a manutenção
do atual sistema, porém com lista fechada, deixa claro que seu objetivo é manter férreo controle sobre a escolha dos candidatos do partido. Os partidos menores hoje aliados ao PT
não querem saber de grandes mudanças, insistindo em manter toda a flexibilidade atual para a
montagem de coalizões eleitorais e mudanças de partido pelos candidatos eleitos. A oposição
fala em mudar o sistema para distrital majoritário, semelhante ao dos EUA. Enquanto isso, o
PMDB propõe transformar os estados em grandes distritos eleitorais majoritários, elegendo
os candidatos mais votados, independentemente dos partidos. Nestas circunstâncias, é difícil
acreditar em qualquer reforma no curto prazo.

Uma consideração importante me parece pairar acima desses problemas, quando avaliamos
o nosso sistema político: a necessidade de se melhorar a qualidade de nossa representação
política. A lei da ficha limpa é um primeiro e mínimo passo - essencial, mas não suficiente -
nessa direção. Outros passos precisam ser considerados.

Aristóteles já dizia que um sistema político ideal deve conter uma dose de monarquia, outra de
aristocracia e uma terceira de democracia. Monarquia para ele equivalia à necessária dose de
poder executivo para que o governo possa cumprir corretamente suas funções. Aristocracia
significava a dose de poder que é desejável reservar aos elementos da sociedade distinguidos por suas qualidades e realizações. A dose de democracia assegurava a devida consideração aos interesses do povo em geral. Parafraseando-o, a mim parece que nos falta a desejável dose de mérito.

Continuamos.

fevereiro 16, 2011

Testando a pena virtual

Inicia-se um novo semestre letivo no IBMEC e me arrisco em um projeto novo, usar este blog para anotar ideias, comentários e opiniões sobre os assuntos que leciono: História Econômica, Ciência Política e a mãe de todas as ciências sociais, a nem sempre bem quista, mas sempre útil, Economia.

A ideia é manter todos os posts relativamente breves; se for longo fica para o próximo. Minha ambição é debater assuntos palpitantes dentro dessas áreas com meus alunos, ex-alunos, colegas e amigos, e envolver também alunos de outros cursos do IBMEC, como Administração, Direito e Relações Internacionais.

Nada de tecnicismos, mas sempre sob o enfoque do que os clássicos chamavam de Economia Política. Por que essa mistura? Porque há muitas evidências de que o comportamento das pessoas só muda através de novas leis, regras e instituições e estas, por sua vez, só mudam quando evolui a compreensão e o código de valores da sociedade toda. O processo é demorado e, por isso mesmo, é importante começá-lo o quanto antes.

Um assunto que merece discussão é o da reforma política que está em pauta no Congresso Nacional e infunde esperanças de que venha a provocar rápida melhoria no nosso sistema político. Tenho dúvidas e apenas moderadas esperanças em relação às reformas hoje em consideração. Pretendo voltar a esse assunto amanhã.

Conto com as contribuições de vocês nos comentários. Espero que esse blog seja uma maneira de manter um papo interessante que se estenda além da sala de aula.