abril 30, 2011

Perigos da democracia direta: o exemplo da California


A ‘The Economist’ de 23/04/11 traz um ‘Special Report’ sobre os problemas políticos e econômicos que a Califórnia está sofrendo, em virtude do poder de aprovar leis independentemente do legislativo estadual, dado ao eleitorado por uma reforma efetuada no início do século XX. Em síntese, essa reportagem mostra como, quando os cidadãos podem fazer leis diretamente, sem passar pelo crivo das discussões e negociações que ocorrem em uma assembleia legislativa, as leis podem perder qualidade e os grupos de interesse ganhar o poder de manipular o eleitorado em seu próprio benefício.

A discussão sobre os méritos da democracia direta e da democracia representativa vem desde a Antiguidade. Os atenienses favoreciam a deliberação das leis em praça pública, com a participação de todos os cidadãos. Os romanos preferiam que suas leis resultassem da barganha entre representantes das diversas classes sociais, que fossem responsabilizados pelo sucesso ou insucesso das suas decisões.

A partir do fim do século XVIII, a preferência pendeu para a democracia representativa, quando seus defensores convenceram as Constituintes dos EUA e da França de que ela não é meramente uma modalidade alternativa de democracia, mas, sim, uma forma de governo essencialmente diferente e melhor.

Inspirada no exemplo da Suíça, único país a usar com sucesso boa dose de democracia direta desde a Idade Média, a Califórnia, em 1911, deu ao seu eleitorado o poder de legislar diretamente. O objetivo era combater a corrupção política patrocinada em boa parte pela Ferrovia do Pacífico Sul, de Leland Stanford (fundador da famosa universidade com o seu nome).

Mas, ao contrário do sistema suíço, a Califórnia criou uma confrontação, e não uma complementação, entre o legislativo e o eleitorado - e esta parece ser a raiz dos problemas atuais. Voltarei a esse caso no próximo post.

abril 19, 2011

Sistema eleitoral com lista fechada - uma desgraça

Hoje, a edição de O Globo (19/04/11) traz interessantes complementos à nossa discussão da reforma política proposta por comissão do Senado, que mostram a desgraça que o sistema de votação proporcional com lista fechada pode nos trazer.

A coluna do Merval Pereira sintetiza um artigo de Carlos Pereira e Marcus André Melo, “Can Brazil's Electoral System Learn from South Africa's Mistakes?”, publicado no site de ‘The Brookings Institution’, no qual relatam um caso ocorrido na África do Sul, muito ilustrativo dos efeitos nocivos que uma ‘partidocracia’ pode causar.

O caso envolve a compra de material bélico pelo governo sul-africano, que montava a cerca de 10 bilhões de dólares, dos quais milhões teriam sido desviados por um grupo comandado pelo então vice-presidente Jacob Zuma, para financiamento do partido dominante, o ANC (Partido Nacional Africano).

A investigação do caso sofreu, como era de se esperar, toda sorte de resistência pelo ANC, que detinha mais de 2/3 das cadeiras no parlamento do país, mas a cruzada de moralização da política que a sucedeu levou à demissão do presidente Mbeki, acusado de interferir no trabalho da comissão investigadora.

E ... o que aconteceu? Jacob Zuma foi eleito presidente da África do Sul e Andrew Feinstein, estrela do ANC, com reeleição assegurada por seu papel de líder da cruzada moralizadora, foi excluído da lista de candidatos do partido na eleição seguinte. Em entrevista dada a Marcus Melo, Feinstein afirmou que “o grande problema institucional da África do Sul é a utilização da lista fechada”. Na realidade, não se deveria esperar um resultado diferente sob um sistema eleitoral com lista fechada. Leia-se, a respeito, o interessante artigo de Aspásia Camargo, também publicado na mesma data e jornal, que ilustra como esse sistema assegura aos ‘caciques’ de cada partido, acima de tudo, a continuidade da direção partidária.

abril 18, 2011

Ser ou não ser de direita: o dilema dos políticos brasileiros


O Brasil vive hoje um paradoxo interessantíssimo. Nenhum dos partidos políticos brasileiros se dispõe a assumir uma posição liberal de centro-direita. Ao mesmo tempo, o eleitorado do país, inclusive a sua parcela mais pobre, se manifesta vez após vez favorável à defesa de direitos individuais (lembram-se do referendo sobre o desarmamento?) e à redução das regras burocráticas, da carga fiscal e do tamanho do governo federal. O noticiário dos últimos dias salienta esse paradoxo.

O ‘The Economist online’ do dia 6 de abril mostra os resultados de uma pesquisa de opinião realizada em 2010 pela GlobeScan sobre o livre mercado como o melhor sistema para o futuro do mundo. Somando-se todas as manifestações de aprovação a esta ideia, o Brasil surge em segundo lugar, com 77%, logo atrás da Alemanha, com 78%, e bem à frente dos EUA, com 59%. Considerando-se apenas as manifestações de forte aprovação, o Brasil surge em primeiro lugar, com 43%.

Enquanto isso, o ‘The Economist’ impresso do dia 9 traz uma reportagem sobre o dilema do PSDB, que oscila entre manter-se na centro-esquerda, contando com um desgaste do PT, ou mover-se para a direita, em busca do voto da classe média. Segundo o cientista político Alberto Almeida, do Instituto Análise, de São Paulo, citado nesse artigo, existe um potencial de substancial ganho eleitoral para os políticos que tiverem a coragem de se opor à atual política, de elevada taxação para manter altos gastos governamentais como fórmula de crescimento da economia brasileira.

E o ‘O Globo’ de 13 de abril, traz uma reportagem sobre a reação crítica dos líderes do PSDB ao recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defendendo essa virada à direita. Até mesmo a liderança do DEM criticou FH pelo que disse, sem se preocupar com a correção dos seus argumentos.

O que será que impede os nossos políticos de enxergarem a realidade brasileira?

abril 03, 2011

Meia volta, volver!

No post de 17/02/2011, eu dizía que, face ao desacordo existente entre os políticos a respeito de qual deva ser o nosso processo eleitoral, “é difícil acreditar em qualquer reforma no curto prazo”. Os acontecimentos desta semana estão levando essa previsão a se realizar mais rápidamente do que eu imaginava.

Na terça-feira passada (29-03-2011), a Comissão de Reforma Política do Senado aprovou a proposta de adoção do sistema de representação proporcional com lista fechada para as eleições de deputados federais e estaduais. Nove senadores votaram a favor dessa proposta, enquanto sete preferiram o ‘distritão’. Reparem que essa aprovação contou com um amplo espectro ideológico de partidos: um voto do DEM, dois do PMDB, quatro do PT, um do PSB e um do PCdoB.

A lista fechada assegura o ‘caciquismo’ explícito, ou seja, o comando dos diretórios estaduais dos partidos sobre a escolha dos seus candidatos. Por isso, não parece mera coincidência que tenha conquistado a preferência dos nossos senadores, os quais se contam entre os principais líderes partidários nos seus estados.

O ‘distritão’ também dá força aos líderes partidários estaduais para escolherem candidatos ricos ou famosos, que podem manipular como seus ‘pupilos’ políticos. Por isso, também não surpreende que tenha sido a segunda escolha dos nossos senadores.

Enquanto isso, o voto distrital uninominal, puro ou misto, defendido por líderes do PSDB, sequer foi a voto na Comissão do Senado. Por outro lado, vários deputados já se manifestaram contra qualquer proposta oriunda do Senado, pois não admitem que os senadores assim definam o seu futuro.

O ‘Panorama Político’ do ‘O Globo’ de 31/03 noticia que, segundo a avaliação dos principais partidos, o maior beneficiado pelo sistema proposto é o PT, pois passa a contar tão somente o voto na legenda. O resultado é que “líderes partidários estão pensando em dar meia volta e deixar tudo como está”.

Uma performance desanimadora do STF


A recente decisão do Supremo Tribunal Federal - de que a Lei da Ficha não se aplica à eleição de 2010 - é mais uma demonstração do insensível formalismo que persiste no sistema judicial brasileiro.

O Tribunal Superior Eleitoral já havia se manifestado pela aplicabilidade da lei à eleição de 2010. Com o empate de 5x5 votos em meados do ano passado, o STF tinha diante de si três alternativas. Podia manter a decisão da Justiça Eleitoral, obedecendo ao seu regimento interno. Podia também decidir, usando o voto de Minerva do seu presidente, o que resultaria em reverter a decisão do TSE. Ou podia adiar a decisão. Escolheu a pior de todas - a terceira. Com isso, abriu as portas a futuras contestações à lei, criando uma insegurança institucional indesejada e desnecessária.

Mas agora fez ainda pior. Baseando-se em argumentos duvidosos para classificar a lei como uma alteração do sistema eleitoral no mesmo ano da eleição, julgou prioritário cumprir a letra do artigo 16 da Constituição, que impede modificações desse gênero. A mensagem contida nessa decisão é clara. É mais importante, pela nossa Constituição, assegurar os direitos eleitorais de alguns políticos culpados de crimes inaceitáveis para quem queira exercer um cargo eletivo; é secundário defender a sociedade contra os danos irreparáveis que esses políticos, uma vez eleitos, possam causar.

O STF revela assim uma chocante insensibilidade em relação às prioridades do Brasil neste momento e - o que gera ainda maior preocupação - uma surpreendente incompreensão das razões por que se formam sociedades civis e se formulam constituições. O único consolo é que cinco juízes decidiram corretamente; falta apenas convencer algum dos outros seis. Suspeito que será preciso muita paulada da opinião pública para que isso aconteça.